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Só o Ensaio

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Terça-feira, 3 de junho de 2025. Semana de Pentecostes. Na capela e Santuário da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, eu estava ali, ajoelhada em adoração. Em silêncio, diante de Jesus, com o coração entregue e a alma pedindo força. Era um dia especial, não apenas pelo calendário litúrgico, mas porque ali, naquela mesma igreja, minha filha Bruna ensaiaria sua entrada para o grande dia: seu casamento.


Minha primogênita. Minha menina.


Enquanto a paz da capela envolvia minha alma, o inesperado aconteceu. Ao sair, sem aviso, sem sinal, deparei-me com ele: o primeiro amor, a primeira decepção, a primeira dor. Aquele que um dia abriu em mim uma ferida tão profunda que pensei já estar cicatrizada. Nos cumprimentamos como dois estranhos que carregam um passado em comum — breve, contido, civilizado. E então, cada um seguiu seu caminho.


Logo depois, a corda do meu coração puxou de volta ao presente: minha filha, Bruna, chegou. Seguimos juntas para assistir à missa. Ali, sentada entre minha filha e meu ex-marido, vivi um daqueles sonhos silenciosos: assistir à celebração em família. O altar à frente, o perfume do incenso, as palavras do padre falando da ressurreição... E eu, ali, conversando com Deus em pensamento:


— Senhor, o que estás fazendo comigo? Mas seja o que for... obrigada.


Dentro de mim, uma batalha. Passado, presente e futuro em conflito. O coração cambaleava, mas permanecia firme.


Com o fim da missa, chegaram os outros: o noivo, seus pais e sua irmã. A cerimonialista nos aguardava. Era hora do ensaio. Era hora de encenar o que, em poucos dias, seria um dos momentos mais marcantes da vida da minha filha.


E lá estávamos nós: o noivo entrando com sua mãe; depois eu, com o pai da noivo. Em seguida, a noiva com seu pai — o mesmo homem que, um dia, a rejeitou... e que hoje a conduzia ao altar.


A vida tem mesmo um roteiro que foge do nosso controle.


Mesmo no ensaio, os olhos do noivo já a reverenciavam como quem vê um milagre. Não muito longe do altar, o pai a beijou na testa antes de entregá-la ao seu quase marido. A cena, singela e bela, me atravessava como um filme em looping: o dia do meu casamento, os anos de dor, de luta, de espera... e agora, esse reencontro com o passado em plena caminhada rumo ao futuro.


Eu gritava para meu coração em silêncio: — Aí, por favor... não pare agora!


Engoli o choro, respirei fundo. Era o momento dela. O momento certo. "Um pai carinhoso, uma filha feliz". Era Bruna sendo amada. Era isso que importava.


Mas eis que o roteiro me reservava mais um teste: eu e o ex-marido deveríamos sair de mãos dadas. Respirei outra vez, pedi proteção:


— Nossa Senhora de Fátima, Mãezinha, guarda meu coração...


O ensaio terminou. O passado foi deixado ali, entre o altar e os bancos da igreja. Agora, só resta viver o presente e esperar a festa. O casamento será glorioso, eu sei.


Depois, combinamos um lanche ali por perto. Sem o pai da noiva, que já havia partido. No carro, o coração resolveu doer. As lágrimas voltaram a escorrer. Eu repetia para mim mesma:


— Calma! Você venceu. Agora é só alegria!


Fomos à hamburgueria, rimos, celebramos. Um momento leve, cheio de vida. Na volta para casa, segui atrás do carro dos noivos — ainda me acostumo com as lentes novas, preciso de ajuda para enxergar. E dentro de mim, a razão tentava assumir o volante:


— Para de drama. Deixa ela ser feliz.


Mas o coração teimava em rebobinar o filme, reviver cenas já passadas.


Ao chegar na garagem do prédio, não resisti. Chorei. Chorei tudo. A alma pedia socorro e mandei uma mensagem para uma amiga:


— Posso te ligar?


A Karol respondeu imediatamente me ligando. Como se já soubesse. Como se tivesse ouvido meu grito mudo. E, com palavras de acolhimento e amor, ela me ajudou a reencontrar a paz.


E pensar que foi só o ensaio...



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